terça-feira, 22 de abril de 2014

Carta dirigida à CONAMP

“Não é a Constituição que padece de um déficit de concretividade; nós é que padecemos de um déficit de interpretação” (Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF). 

“O mundo infantojuvenil tem uma peculiaridade jurídica que se revela única, porquanto todo direito fundamental de criança e adolescente não contemplado por inteiro é direito por inteiro violado” (Olegário Gurgel Ferreira Gomes, Promotor RN). 

Nós, integrantes do Ministério Público brasileiro em seus diversos ramos, vimos, pelo presente, solicitar o apoio da CONAMP para a realização do I Encontro Nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a se realizar em Brasília/DF, nos dias 02 e 03 de agosto de 2014, pelas razões ora delineadas, requerendo, ao final, as medidas de apoio logístico infraindicadas. 

Como é sabido, o ordenamento jurídico brasileiro, com a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Crianca e do Adolescente (ECA) –, acolheu a doutrina da proteção integral aos direitos da criança e do adolescente. Mais do que uma singularidade histórica, tal fato representou, no Brasil e na América Latina, um relevante marco jurídico, fruto do processo de internacionalização dos direitos humanos e, localmente, em nosso país, da histórica luta de movimentos sociais ligados à promoção dos direitos infantojuvenis. O desafio era alto. Buscava-se a superação de séculos de exclusão social dos menos favorecidos economicamente, fomentado, no que toca aos mais novos, pelo apartheid jurídico positivado no ordenamento brasileiro: para as crianças de famílias abastadas, o Código Civil; para as das classes populares, o Código de Menores. 

De 1988 em diante, portanto, o Brasil, no trato com a criança e o adolescente, migra de uma esfera de atuação setorial, paternalista, higienista, filantrópica e repressora para outra onde os direitos fundamentais de todos os infantes são garantidos de forma prévia e prioritária. A ação do estado passa a ser voltada, sobretudo, à promoção e garantia dos direitos, girando – ou devendo girar – as discussões num espectro anterior ao da sua violação. Doravante, diante de uma situação de violação ou ameaça aos direitos fundamentais infantis, a esfera de ação e recuperação deixa de ser, em primeiro plano, a da tutela judicial (menorista), para ser a da política pública, devidamente amparada em legislação promotora dos direitos humanos dos pequenos cidadãos. 

Neste ponto, porém, cumpre-nos investigar: olhando ao nosso derredor; cotejando-se a prioridade legal com a prioridade real dos governantes; lendo as manchetes dos periódicos nacionais; analisando criticamente como se tem dado a atuação dos atores do Sistema de Justiça para com a garantia dos direitos infantojuvenis, perguntamos o que, de fato, mudou na realidade de nosso país, passados os 25 anos de nossa “Constituição Cidadã”? O que, da prioridade absoluta constitucional, se transformou, de fato, em prioridade absoluta constituinte de uma nova realidade? Por que o fosso entre o que diz a lei e o que prega a realidade? 

A resposta a tais questões demanda profundas reflexões por parte dos membros do Ministério Público brasileiro, pois, na Constituição de 1988, tornamo-nos parte de uma instituição vocacionada à transformação social da realidade em que estamos inseridos, desvinculado-nos das anteriores atuações proeminentemente judiciais – na qualidade de pareceiristas – para abraçar a de agentes políticos, intervenientes, quando necessário, nos negócios do estado e da sociedade, visando à efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 

Na área da Infância e Juventude, o desafio da atuação ministerial apresenta ainda contornos de maior responsabilidade. Ali, volta-se o MP à defesa de direitos de pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento, para os quais a garantia parcial de um direito pode representar a violação total do mesmo. Neste campo, a atuação ministerial demanda preparo técnico adequado e formação específica, apta a reconhecer a insuficiência do Direito para o equacionamento das questões que nos são postas. Na seara infantojuvenil a ciência jurídica deve manter relação dialógica com outras áreas do conhecimento humano, tais como a psicologia, a pedagogia, a saúde, o serviço social, a sociologia, dentre outros. 

No Direito da Criança e do Adolescente real – aquele que a maioria dos concursos públicos no Brasil, hoje, não aborda –, a formação recebida pelos estudantes de Direito em suas faculdades (de forte caráter tecnicista, cada vez mais voltado à mera aprovação em certames jurídicos, muitos dos quais mais valorizados pela remuneração oferecida do que pela vocação que o cargo implica) é insuficiente para preparar o profissional para lidar com os casos dramáticos nos quais sua atuação, do jurista, será exigida: o caso da criança cujos pais são dependentes químicos (e, não raro, eles mesmos inseridos em um processo de exclusão social), em que não há familiares dispostos a ficar com o pequenino, tampouco serviços de acolhimento familiar ou institucional na Comarca; o caso do município onde a rede de proteção aos direitos infantojuvenis é, inda que tão importante, tão frágil, na qual nos caberá transitar e dialogar etc. 

Neste cenário, urge que construamos um espaço abrangente, de caráter nacional, que reúna membros do Ministério Público dos seus mais diversos ramos e de todo o Brasil – dos que atuam nas grandes metrópoles e têm diante de si o desafio das cracolândias, gangues e grupos de extermínio, aos que labutam nos rincões do país, onde a miséria da população ladeia com a falta de oferta nos serviços públicos essenciais. E, para tanto, elencamos três razões fundantes da presente proposta. 

Em primeiro lugar, faz-se premente a constituição de um lócus onde possamos compartilhar as questões que mais nos afligem em nossa lida diária no direito da criança e do adolescente, a fim de que troquemos experiências, firmemos entendimentos, amadureçamos pontos e contrapontos, tiremos dúvidas e descubramos boas práticas na atuação promotores e procuradores espalhados – e muitas vezes isolados – Brasil afora. 

Em segundo lugar, diante do atual e intenso debate nacional – cada vez mais intenso –, puxado por grupos políticos e veículos de imprensa questionando a viabilidade da legislação estatutária para o mundo atual e a alegada licenciosidade do Estado para com a criança e o adolescente, é importante que os membros do Ministério Público estejam preparados para debater tais questões, apresentando seus argumentos, oferecendo alternativas, incidindo politicamente e agindo proativamente na busca de soluções que atendam ao anseio da sociedade por justiça – entendida esta não apenas como justiça penal, mas também justiça social. É hora de os integrantes do Parquet que estão na linha de frente da política de atendimento aos direitos infantojuvenis se fazerem ouvir, não para se impor, mas para, democraticamente, contribuir com sua visão privilegiada sobre as fragilidades atuais para a realização dos direitos da criança e do adolescente. 

Em terceiro lugar, considerando a destacada importância que o legislador constituinte de 1988 conferiu ao Poder Judiciário na efetivação das liberdades fundamentais, individuais e coletivas, a criação de um fórum de discussão nacional do Ministério Público da Infância e Juventude enriquecerá a própria dialética processual, na medida em que os integrantes do MP, pela reflexão conjunta, amadurecerão suas teses e posições institucionais, levando-as para dentro do processo e coparticipando na realização do ideal de justiça. 

Neste ponto, abrimos breve parêntese para lembrar que, na área da criança e do adolescente, o Poder Judiciário e a Defensoria Pública têm espaços próprios de discussão interna e promovem, periodicamente, encontros nacionais de juízes e defensores, institucionalizando e amadurecendo suas teses em torno de institutos do ECA, os quais precisam também ser debatidos à luz da visão ministerial. Mas, pergunta-se novamente: diante disso, o que o Ministério Público, essencial ator do Sistema de Justiça, tem feito? Aliás, antes disso: quem é o Ministério Público? Nossa resposta: o Ministério Público somos nós e nós temos permanecido inertes, eis aí uma incômoda realidade. Estamos aquém em matéria de articulação interna e mobilização de nossos próprios quadros, e os prejuízos afetam não só nossa instituição – e, sim, eles já nos afetam: basta ver o quadro cada vez mais escasso de profissionais vocacionados à área da criança e do adolescente (muitos alegam que não têm "paciência" para o diálogo com rede, as questões da infância e articulações sistêmicas que o agir da justiça infantojuvenil demanda) –, como também a própria dialética constitutiva do ciência do direito, pois, nesta toada, estaremos sempre a reboque das discussões deflagradas por outros atores, apenas replicando, nunca propondo. 

Ante o exposto, nos tempos atuais, em que muito se discute a alteração da lei – mas não a sua efetividade –, vimos pelo presente solicitar o valoroso auxílio de Vossa Excelência neste desiderato de constituirmos um espaço próprio de articulação e discussão nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a fim de que os debates que ora pretendemos levantar se façam com o respaldo dos principais órgãos e entidades de classe do MP brasileiro. 

Para tanto, solicitamos da CONAMP todo o apoio institucional e logístico que nos possa oferecer para a realização do I Encontro Nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a se realizar em Brasília/DF, nos dias 02 e 03 de agosto de 2014, no auditório do MPDFT, com programação e organização a serem definidas por parte dos subscritores, requerendo, desde já, o auxílio para o fornecimento de: 

- Alimentação e transporte aeroporto-local do evento para um público em torno de 100 (cem) pessoas; 

- Passagem aérea para os palestrantes. 

Finalmente, solicitamos que a CONAMP, usando do seu peso institucional e político, conclame as chefias do Ministério Público brasileiro e as nossas associações de classe, em seus mais diversos ramos, a apoiar este movimento de base que aqui deflagramos. 

Cordialmente, 

Mossoró/RN, 22 de abril de 2014. 

1. Adenildo Lucchi 
MPES 

2. Aline Kleer da Silva Martins Fernandes 
MPSP 

3. Alley Borges Escorel 
MPPB 

4. Anderson Pereira de Andrade 
MPDFT 

5. André Tuma 
MPMG 

6. Andréa Santos Souza 
MPSP 

7. Andrea Teixeira de Souza 
MPES 

8. Antonia Lima Sousa 
MPCE 

9. Carlos Roberto da Silva Maia 
MPAC 

10. Carolina Cassaro Gurgel 
MPES 

11. Denise Villela 
MPRS 

12. Eduardo Borges Oliveira 
MPMA 

13. Flávio Barra Rocha 
MPMG 

14. Flávio Okamoto 
MPSP 

15. Gerliana Maria Silva Araújo Rocha 
MPRN 

16. Hugo Mendonça 
MPCE 

17. Isabelita Garcia Gomes Neto Rosas 
MPRN 

18. Ivanise Jann de Jesus 
MPRS 

19. Jecqueline Guilherme Aymar Elihimas 
MPPE 

20. Judith Gonçalves Teles 
MPAP 

21. Karina Seiko Hashizume 
MPMG 

22. Karine Ribeiro Stelatto 
MPRO 

23. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 
MPRJ 

24. Leane Barros Fiuza de Mello 
MPPA 

25. Letícia Teresa Sales Freire 
MPMA 

26. Luciano Machado de Souza 
MPPR 

27. Luciano Rocha 
MPES 

28. Luis H Paccagnella 
MPSP 

29. Luiz Paulo Bhering Nogueira 
MPMG 

30. Manoel Onofre de Souza Neto 
MPRN 

31. Márcio Rogério Oliveira 
MPMG 

32. Márcio Soares Berclaz 
MPPR 

33. Márcio Thadeu Silva Marques 
MPMA 

34. Marco Antonio Santos Amorim 
MPMA 

35. Marcos Almeida Coelho 
MPBA 

36. Marcos Fagundes 
MPRJ 

37. Marcus Aurélio de Freitas Barros 
MPRN 

38. Maria Amélia Sampaio Góes 
MPBA 

39. Maria Regina Fay de Azambuja 
MPRS 

40. Mariana Duarte Leão 
MPMG 

41. Mariana Rebello 
MPRN 

42. Mariano Lauria 
MPRN 

43. Mauro Canto da Silva 
MPSC 

44. Millen Castro 
MPBA 

45. Moacir Silva do Nascimento Júnior 
MPBA 

46. Mônica Rei Freire 
MPPA 

47. Murillo José Digiácomo 
MPPR 

48. Olegário Gurgel Ferreira Gomes 
MPRN 

49. Pedro Oto de Quadros 
MPDFT 

50. Rafael Dias Marques 
MPT 

51. Renata Lordello Colnago 
MPES 

52. Renata Lúcia Mota Lima de Oliveira Rivitti 
MPSP 

53. Renato Barão Varalda 
MPDFT 

54. Rosa Carneiro 
MPRJ 

55. Sérgio Maia Louchard 
MPCE 

56. Sasha Alves do Amaral 
MPRN 

57. Sidney Fiori Junior 
MPTO 

58. Soraya Soares Nóbrega Escorel 
MPPB 

59. Tânia Andrade 
MPSP 

60. Tânia Aparecida Pereira 
MPAP 

61. Vanderlei Avelino Rodrigues 
MPT-PR 

62. Vanessa Dosualdo Freitas 
MPMG