“Não é a Constituição que padece de um déficit de concretividade; nós é que padecemos de um déficit de interpretação” (Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF).
“O mundo infantojuvenil tem uma peculiaridade jurídica que se revela única, porquanto todo direito fundamental de criança e adolescente não contemplado por inteiro é direito por inteiro violado” (Olegário Gurgel Ferreira Gomes, Promotor RN).
Nós, integrantes do Ministério Público brasileiro em seus diversos ramos, vimos, pelo presente, solicitar o apoio da CONAMP para a realização do I Encontro Nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a se realizar em Brasília/DF, nos dias 02 e 03 de agosto de 2014, pelas razões ora delineadas, requerendo, ao final, as medidas de apoio logístico infraindicadas.
Como é sabido, o ordenamento jurídico brasileiro, com a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Crianca e do Adolescente (ECA) –, acolheu a doutrina da proteção integral aos direitos da criança e do adolescente. Mais do que uma singularidade histórica, tal fato representou, no Brasil e na América Latina, um relevante marco jurídico, fruto do processo de internacionalização dos direitos humanos e, localmente, em nosso país, da histórica luta de movimentos sociais ligados à promoção dos direitos infantojuvenis. O desafio era alto. Buscava-se a superação de séculos de exclusão social dos menos favorecidos economicamente, fomentado, no que toca aos mais novos, pelo apartheid jurídico positivado no ordenamento brasileiro: para as crianças de famílias abastadas, o Código Civil; para as das classes populares, o Código de Menores.
De 1988 em diante, portanto, o Brasil, no trato com a criança e o adolescente, migra de uma esfera de atuação setorial, paternalista, higienista, filantrópica e repressora para outra onde os direitos fundamentais de todos os infantes são garantidos de forma prévia e prioritária. A ação do estado passa a ser voltada, sobretudo, à promoção e garantia dos direitos, girando – ou devendo girar – as discussões num espectro anterior ao da sua violação. Doravante, diante de uma situação de violação ou ameaça aos direitos fundamentais infantis, a esfera de ação e recuperação deixa de ser, em primeiro plano, a da tutela judicial (menorista), para ser a da política pública, devidamente amparada em legislação promotora dos direitos humanos dos pequenos cidadãos.
Neste ponto, porém, cumpre-nos investigar: olhando ao nosso derredor; cotejando-se a prioridade legal com a prioridade real dos governantes; lendo as manchetes dos periódicos nacionais; analisando criticamente como se tem dado a atuação dos atores do Sistema de Justiça para com a garantia dos direitos infantojuvenis, perguntamos o que, de fato, mudou na realidade de nosso país, passados os 25 anos de nossa “Constituição Cidadã”? O que, da prioridade absoluta constitucional, se transformou, de fato, em prioridade absoluta constituinte de uma nova realidade? Por que o fosso entre o que diz a lei e o que prega a realidade?
A resposta a tais questões demanda profundas reflexões por parte dos membros do Ministério Público brasileiro, pois, na Constituição de 1988, tornamo-nos parte de uma instituição vocacionada à transformação social da realidade em que estamos inseridos, desvinculado-nos das anteriores atuações proeminentemente judiciais – na qualidade de pareceiristas – para abraçar a de agentes políticos, intervenientes, quando necessário, nos negócios do estado e da sociedade, visando à efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Na área da Infância e Juventude, o desafio da atuação ministerial apresenta ainda contornos de maior responsabilidade. Ali, volta-se o MP à defesa de direitos de pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento, para os quais a garantia parcial de um direito pode representar a violação total do mesmo. Neste campo, a atuação ministerial demanda preparo técnico adequado e formação específica, apta a reconhecer a insuficiência do Direito para o equacionamento das questões que nos são postas. Na seara infantojuvenil a ciência jurídica deve manter relação dialógica com outras áreas do conhecimento humano, tais como a psicologia, a pedagogia, a saúde, o serviço social, a sociologia, dentre outros.
No Direito da Criança e do Adolescente real – aquele que a maioria dos concursos públicos no Brasil, hoje, não aborda –, a formação recebida pelos estudantes de Direito em suas faculdades (de forte caráter tecnicista, cada vez mais voltado à mera aprovação em certames jurídicos, muitos dos quais mais valorizados pela remuneração oferecida do que pela vocação que o cargo implica) é insuficiente para preparar o profissional para lidar com os casos dramáticos nos quais sua atuação, do jurista, será exigida: o caso da criança cujos pais são dependentes químicos (e, não raro, eles mesmos inseridos em um processo de exclusão social), em que não há familiares dispostos a ficar com o pequenino, tampouco serviços de acolhimento familiar ou institucional na Comarca; o caso do município onde a rede de proteção aos direitos infantojuvenis é, inda que tão importante, tão frágil, na qual nos caberá transitar e dialogar etc.
Neste cenário, urge que construamos um espaço abrangente, de caráter nacional, que reúna membros do Ministério Público dos seus mais diversos ramos e de todo o Brasil – dos que atuam nas grandes metrópoles e têm diante de si o desafio das cracolândias, gangues e grupos de extermínio, aos que labutam nos rincões do país, onde a miséria da população ladeia com a falta de oferta nos serviços públicos essenciais. E, para tanto, elencamos três razões fundantes da presente proposta.
Em primeiro lugar, faz-se premente a constituição de um lócus onde possamos compartilhar as questões que mais nos afligem em nossa lida diária no direito da criança e do adolescente, a fim de que troquemos experiências, firmemos entendimentos, amadureçamos pontos e contrapontos, tiremos dúvidas e descubramos boas práticas na atuação promotores e procuradores espalhados – e muitas vezes isolados – Brasil afora.
Em segundo lugar, diante do atual e intenso debate nacional – cada vez mais intenso –, puxado por grupos políticos e veículos de imprensa questionando a viabilidade da legislação estatutária para o mundo atual e a alegada licenciosidade do Estado para com a criança e o adolescente, é importante que os membros do Ministério Público estejam preparados para debater tais questões, apresentando seus argumentos, oferecendo alternativas, incidindo politicamente e agindo proativamente na busca de soluções que atendam ao anseio da sociedade por justiça – entendida esta não apenas como justiça penal, mas também justiça social. É hora de os integrantes do Parquet que estão na linha de frente da política de atendimento aos direitos infantojuvenis se fazerem ouvir, não para se impor, mas para, democraticamente, contribuir com sua visão privilegiada sobre as fragilidades atuais para a realização dos direitos da criança e do adolescente.
Em terceiro lugar, considerando a destacada importância que o legislador constituinte de 1988 conferiu ao Poder Judiciário na efetivação das liberdades fundamentais, individuais e coletivas, a criação de um fórum de discussão nacional do Ministério Público da Infância e Juventude enriquecerá a própria dialética processual, na medida em que os integrantes do MP, pela reflexão conjunta, amadurecerão suas teses e posições institucionais, levando-as para dentro do processo e coparticipando na realização do ideal de justiça.
Neste ponto, abrimos breve parêntese para lembrar que, na área da criança e do adolescente, o Poder Judiciário e a Defensoria Pública têm espaços próprios de discussão interna e promovem, periodicamente, encontros nacionais de juízes e defensores, institucionalizando e amadurecendo suas teses em torno de institutos do ECA, os quais precisam também ser debatidos à luz da visão ministerial. Mas, pergunta-se novamente: diante disso, o que o Ministério Público, essencial ator do Sistema de Justiça, tem feito? Aliás, antes disso: quem é o Ministério Público? Nossa resposta: o Ministério Público somos nós e nós temos permanecido inertes, eis aí uma incômoda realidade. Estamos aquém em matéria de articulação interna e mobilização de nossos próprios quadros, e os prejuízos afetam não só nossa instituição – e, sim, eles já nos afetam: basta ver o quadro cada vez mais escasso de profissionais vocacionados à área da criança e do adolescente (muitos alegam que não têm "paciência" para o diálogo com rede, as questões da infância e articulações sistêmicas que o agir da justiça infantojuvenil demanda) –, como também a própria dialética constitutiva do ciência do direito, pois, nesta toada, estaremos sempre a reboque das discussões deflagradas por outros atores, apenas replicando, nunca propondo.
Ante o exposto, nos tempos atuais, em que muito se discute a alteração da lei – mas não a sua efetividade –, vimos pelo presente solicitar o valoroso auxílio de Vossa Excelência neste desiderato de constituirmos um espaço próprio de articulação e discussão nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a fim de que os debates que ora pretendemos levantar se façam com o respaldo dos principais órgãos e entidades de classe do MP brasileiro.
Para tanto, solicitamos da CONAMP todo o apoio institucional e logístico que nos possa oferecer para a realização do I Encontro Nacional do Ministério Público da Infância e Juventude, a se realizar em Brasília/DF, nos dias 02 e 03 de agosto de 2014, no auditório do MPDFT, com programação e organização a serem definidas por parte dos subscritores, requerendo, desde já, o auxílio para o fornecimento de:
- Alimentação e transporte aeroporto-local do evento para um público em torno de 100 (cem) pessoas;
- Passagem aérea para os palestrantes.
Finalmente, solicitamos que a CONAMP, usando do seu peso institucional e político, conclame as chefias do Ministério Público brasileiro e as nossas associações de classe, em seus mais diversos ramos, a apoiar este movimento de base que aqui deflagramos.
Cordialmente,
Mossoró/RN, 22 de abril de 2014.
1. Adenildo Lucchi
MPES
2. Aline Kleer da Silva Martins Fernandes
MPSP
3. Alley Borges Escorel
MPPB
4. Anderson Pereira de Andrade
MPDFT
5. André Tuma
MPMG
6. Andréa Santos Souza
MPSP
7. Andrea Teixeira de Souza
MPES
8. Antonia Lima Sousa
MPCE
9. Carlos Roberto da Silva Maia
MPAC
10. Carolina Cassaro Gurgel
MPES
11. Denise Villela
MPRS
12. Eduardo Borges Oliveira
MPMA
13. Flávio Barra Rocha
MPMG
14. Flávio Okamoto
MPSP
15. Gerliana Maria Silva Araújo Rocha
MPRN
16. Hugo Mendonça
MPCE
17. Isabelita Garcia Gomes Neto Rosas
MPRN
18. Ivanise Jann de Jesus
MPRS
19. Jecqueline Guilherme Aymar Elihimas
MPPE
20. Judith Gonçalves Teles
MPAP
21. Karina Seiko Hashizume
MPMG
22. Karine Ribeiro Stelatto
MPRO
23. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel
MPRJ
24. Leane Barros Fiuza de Mello
MPPA
25. Letícia Teresa Sales Freire
MPMA
26. Luciano Machado de Souza
MPPR
27. Luciano Rocha
MPES
28. Luis H Paccagnella
MPSP
29. Luiz Paulo Bhering Nogueira
MPMG
30. Manoel Onofre de Souza Neto
MPRN
31. Márcio Rogério Oliveira
MPMG
32. Márcio Soares Berclaz
MPPR
33. Márcio Thadeu Silva Marques
MPMA
34. Marco Antonio Santos Amorim
MPMA
35. Marcos Almeida Coelho
MPBA
36. Marcos Fagundes
MPRJ
37. Marcus Aurélio de Freitas Barros
MPRN
38. Maria Amélia Sampaio Góes
MPBA
39. Maria Regina Fay de Azambuja
MPRS
40. Mariana Duarte Leão
MPMG
41. Mariana Rebello
MPRN
42. Mariano Lauria
MPRN
43. Mauro Canto da Silva
MPSC
44. Millen Castro
MPBA
45. Moacir Silva do Nascimento Júnior
MPBA
46. Mônica Rei Freire
MPPA
47. Murillo José Digiácomo
MPPR
48. Olegário Gurgel Ferreira Gomes
MPRN
49. Pedro Oto de Quadros
MPDFT
50. Rafael Dias Marques
MPT
51. Renata Lordello Colnago
MPES
52. Renata Lúcia Mota Lima de Oliveira Rivitti
MPSP
53. Renato Barão Varalda
MPDFT
54. Rosa Carneiro
MPRJ
55. Sérgio Maia Louchard
MPCE
56. Sasha Alves do Amaral
MPRN
57. Sidney Fiori Junior
MPTO
58. Soraya Soares Nóbrega Escorel
MPPB
59. Tânia Andrade
MPSP
60. Tânia Aparecida Pereira
MPAP
61. Vanderlei Avelino Rodrigues
MPT-PR
62. Vanessa Dosualdo Freitas
MPMG