terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Defesa de Direitos Humanos: bandidos e "humanos direitos"

Por Alexandra Beurlen

Não é de hoje que o conceito de direitos humanos é mal interpretado e sua defesa percebida como apoio aos “bandidos” e à impunidade. O debate é recorrente a cada crime bárbaro noticiado e a cada decisão judicial garantista proferida em casos que chamam atenção da opinião pública.

Soube que uma mulher teve mais de 50% do corpo queimado, por um vizinho, porque, segundo outros vizinhos, resistiu a seus encantos. Grande “ironia”: o marido da vítima, ao receber a notícia da violência, tentou matar o agressor e foi preso.

A síntese, quando tomei conhecimento: a vítima das queimaduras no hospital, desfigurada, apta a prestar algum tipo de depoimento, lá mesmo, sem previsão de alta e com grande risco de morte. Os dois homens presos.

Merece defesa o incendiário? E o marido? Quem você defenderia (ou não)? Por quê?

Se ganhei sua atenção até aqui, gostaria que fizesse um esforço para ler o texto até o fim. Vou fazer uma pequena digressão sobre uma característica dos direitos humanos para que possamos tentar chegar a um denominador comum.

Quando comecei a estudar o tema, chamaram minha atenção duas de suas principais características: interdependência[1] e universalidade. De formação moral e religiosa Cristã, nunca tive dificuldade em entender a linguagem dos direitos humanos, parece-me, em muitos aspectos, com o Novo Testamento e as pregações do Cristo, permeadas pelo amor a todas as pessoas (universal).

Dizer que um direito é universal é reconhecer que pertence a TODOS os seres humanos, pela sua condição humana apenas, sem qualquer distinção ou exceção. Na construção histórica para alcançar o que hoje chamamos direitos humanos, observou-se que a universalidade é sua essência.

Nesse processo, não se estava pensando no vizinho que tocou fogo na mulher; em alguém que mata outrem para roubar; em quem mata criança a caminho da escola; menos ainda em algum político corrupto; e, jamais, na construção de mecanismos de impunidade deles todos.

O desenvolvimento teórico do tema teve por objetivo, inclusive, a proteção dos inocentes e a promoção da Justiça, através da construção da garantia de um julgamento justo, por terceiro desinteressado (juiz) que ouça os argumentos de defesa e de acusação (com o mesmo cuidado e atenção) e, só então, formando sua convicção, julgue.[2]

Motivando-se pela sensação de impunidade que toma conta do país, todos os dias surgem movimentos e propostas que manipulam informações sobre o que seria a defesa de direitos humanos, tentam retirar desses direitos o seu âmago, a universalidade, e até mesmo pretendem atribuir sua titularidade aos que denominam “humanos direitos”.

Outras vezes, sob o pretexto de defesa dos “humanos direitos”, invertendo a lógica da própria existência do Estado, defendem a necessidade de o Estado ser mais enérgico e duro, mesmo que para tanto, viole direitos de “humanos NÃO direitos”.

Um problema que decorre desta proposta é definir, a priori, se aquele indivíduo é ou não “humano direito” e se deve ou não ter seus direitos humanos respeitados. Outro é identificar a quem seria atribuída essa missão: À sociedade? Ao Estado, através da polícia? À mídia refletida na opinião pública (ou vice-versa)?

Em uma reação passional comum em casos como o relatado, o vizinho piromaníaco estaria condenado à desumanidade. Não se haveria de discutir, em nenhum processo, sua responsabilidade e aplicar-lhe a consequência jurídica que o ordenamento prevê para condutas como a sua[3]. Na verdade, seria eliminado da face da terra, de preferência com bala paga por sua família, ou com outros requintes de crueldade que a mente humana é bem capaz de idealizar.

Para entender um pouco melhor a importância da universalidade dos direitos humanos, lembro que, a depender de quem esteja com o poder de dizer quem é o “humano direito”, o nobre leitor pode vir a não se encaixar no perfil imaginado, seja por ser uma mulher e não se entender adequado um “não” como resposta a uma “cantada”; seja por ser proprietário de algo; seja por ser uma criança negra e pobre a caminho da escola; seja por protestar contra a corrupção.

Se ainda persiste comigo, continuaremos a fundamentar a universalidade mudando um pouco o foco do ser humano a ser protegido, partindo do pressuposto de que, em pleno século XXI, não há quem defenda a escravidão e vamos todos falar a mesma língua, neste aspecto.

No berço da democracia, onde se votava em praça pública o destino da Grécia Antiga e se refletia sobre humanidade, política, cidadania e outros tantos conceitos filosóficos e científicos complexos, havia escravos.

Historicamente, habituados a nos dividirmos em categorias, adotamos estratégias para “desalmar” outros seres humanos, que passam a ser considerados inferiores, e justificar sua dominação, seu desprezo, e, até mesmo, seu extermínio. Foi assim com as colonizações, com a escravidão, com os negros libertos, com os índios, com as mulheres, com as crianças, com os deficientes, com os homossexuais...

Na velha linha do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” o “bandido desalmado” de determinado momento histórico pode ser desde o judeu, o negro e o homossexual, como na Alemanha Nazista, ou o estudante que decide ter em casa livros censurados, na última ditadura brasileira. Esse formato de subjugação de “categorias inferiores” de seres humanos é comum em ditaduras[4] de qualquer matiz ideológica.

Após o horror provocado pelo Estado Nazista, decidiu-se que não era admissível à humanidade submeter-se àquilo novamente. Não era humano. Alguns povos do mundo começaram a se reunir para estabelecer um número mínimo de direitos invioláveis pertencentes a TODOS[5].

A ninguém mais seria dada a capacidade de dizer quem tem ou não direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à dignidade humana, ao devido processo legal, à alimentação adequada, à água, à saúde, à educação, ao meio ambiente equilibrado, entre outros. Definiu-se que TODOS têm direito a esse núcleo mínimo de direitos a que chamou “direitos humanos”.

Merece destaque, no cenário americano, atual a situação da Bolívia. Em uma espécie de “autorização para matar”, a autoproclamada presidente Jeanine Añez baixou um decreto que retira dos integrantes das Forças Armadas a responsabilidade penal “no cumprimento de suas funções Constitucionais”, podendo usar “todos os recursos disponíveis” para tanto.[6] Em 17.11.2019, já haviam sido contabilizados, entre cidadãos que se manifestavam, 23 mortos e 715 feridos.[7] A “presidente” deu aos militares bolivianos o poder de decidir que cidadãos merecem ter seu direito humano à vida respeitado, em evidente violação à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Estado brasileiro, através da subscrição dos Tratados Internacionais e da própria Constituição Federal de 1988, estabelece a prevalência dos direitos humanos. É papel do Estado brasileiro, então, defendê-los, respeitá-los, protegê-los, promovê-los e, nunca violá-los. Entre os direitos humanos está a liberdade de expressão, a qual garante até mesmo a defesa pública e acalorada da ideia de que os direitos humanos devem deixar de ser universais, em um discurso de retrocesso e perigoso.

Não pode haver exceções e seletividade na proteção dos direitos humanos e é papel do Estado, garantida a liberdade de expressão, defender a universalidade dos direitos humanos. Não podem os representantes do Estado brasileiro agir de modo diferente. E é por isso que, quando o desrespeito a tais direitos parte de representante do Estado, temos que gritar mais alto e a responsabilização dos agentes públicos tem que ser exemplar![8]

Sem poder deixar de mencionar rapidamente a interdependência intrínseca aos direitos humanos, é indispensável registrar que não é possível a um tê-los reconhecidos e seguros quando outrem tiver os seus lesados. Mais: omitir-se diante dessa violação é admitir que uma guilhotina seja colocada sobre a própria cabeça.

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar”[9]

Defender direitos humanos é defender a humanidade. É defender a si mesmo.

[1]Que vai merecer atenção em outro texto.

[2]Ao contrário dos inúmeros exemplos de processos inquisitórios cheios de superstições, manipulações e tantas outras características nocivas que a história do direito penal mostra, buscava-se o que hoje conhecemos como “devido processo legal”.

[3]Se a pena prevista em lei é suficiente, se penas mais severas, prisões perpétuas ou pena de morte asseguram redução da criminalidade; se os presídios recuperam; e qual deve ser o modelo de encarceramento são temas importantes, porém não os abordarei neste contexto.

[4]A garantia de direitos humanos é intimamente relacionada com a democracia.

[5]Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

[6]https://internacional.estadão.com.br/noticias/geral,governo-da-bolivia-isenta-militares-de-responsabilidade-penal,70003092087 (acesso em 20.11.2019).

[7]https://noticias.uol.com.br/internacioanl/ultimas-noticias/2019/11/17/bolivia-tem-23-mortes-em-mes-de-crise-cidh-critica-decreto-pro-militares.htm (acesso em 20.11.2019)

[8]Há diferença clara entre um cidadão comum e um policial que matam; entre um vizinho e um Promotor de Justiça que perseguem; entre um popular e um Magistrado que decidem com base em interesses pessoais; entre o menino de rua que furta e o político corrupto que lesa o erário. Todos estão errados e devem ser punidos, mas os danos gerados pelos erros dos representantes do Estado são infinitamente maiores, por isso a necessidade de um esforço coletivo para que não volte a ocorrer. Isso não significa, de forma alguma, errar novamente, violando os direitos desses “criminosos desalmados”.

[9]Martin Niemoller, teólogo protestante alemão.

Alexandra Beurlen é promotora de Justiça do MP-AL e Coordenadora do Proinfância.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Nota de apoio

Nós, Promotores de Justiça da Infância e Juventude dos mais diversos estados do país, tendo tido notícia da representação nº 1.00738/2019, junto ao Egrégio Conselho Nacional do Ministério Público, acerca da atuação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte na fiscalização do processo de escolha de conselheiros tutelares de Mossoró, gostaríamos de registrar, com o objetivo de contribuir na contextualização da questão, que a norma do art. 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem sido há anos objeto de perplexidade e preocupação de todos os Promotores de Justiça que atuam na área, ao atribuir ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a responsabilidade pela realização do processo de escolha, em substituição ao Tribunal Regional Eleitoral, como pretendia a redação original do Estatuto. Com a data unificada para o processo de escolha em todo território nacional, estabelecida por alteração legislativa de 2012, os enormes desafios ganharam visibilidade, inclusive no que se refere aos parâmetros de atuação do Ministério Público como órgão fiscalizador – de forma compatível com nossa missão constitucional – diante da fragilidade das poucas disposições legais existentes, suplantadas apenas por regulamentação elaborada pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. 

Especialmente no que se refere à fiscalização do processo de escolha de Mossoró, gostaríamos de registrar que o Promotor de Justiça da Infância e Juventude com atribuição é profissional que honra seus pares por sua extrema dedicação e empenho no exercício das atribuições ministeriais, sendo constantemente citado como exemplo de atuação funcional para todos nós subscritores. 

Brasília/DF, 25 de novembro de 2019. 
ADELTON ALBUQUERQUE MATOS - AM

ALEXANDRA BEURLEN - AL

ALEXANDRE FLÁVIO MEDEIROS - AP

ALEXSSANDRA MUNIZ MARDEGAN - PA

ANA CAROLINA PAES DE SA MAGALHAES - PE

ANA GABRIELA FERNANDES BLACKER ESPOZEL - RJ

ANA LÚCIA IVANESCIUC DE VALLIM BRAGA HIPÓLITO - ES

ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - DF

ANDRÉ SILVARES VASCONCELOS - MG

ANDRÉ TUMA DELBIM FERREIRA - MG

ANDRÉA SANTOS SOUZA - SP

ANTONIA LIMA SOUSA - CE

CARLA BRANT CORREA SEBBA RORIZ - GO

CINARA VIANNA DUTRA BRAGA - RS

CINTIA ROBERTA GOMES DE LIMA - MG

CLAUDIA MARIA RAPOSO DA CAMARA COELHO - AM

CRISTIANA FERREIRA MOREIRA CABRAL DE VASCONCELLOS - PB

CRISTIANE CAMPOS AMORIM BARONY - MG

DANIELLE CRISTINE CAVALI TUOTO - PR

DAVID KERBER DE AGUIAR - PR

DENISE CASANOVA VILLELA - RS

ELAINE CRISTINA PEREIRA ALENCAR - PB

ELANDERSON LIMA DUARTE - AM

ENAILE LAURA NUNES DA SILVA - MT

EPAMINONDAS DA COSTA - MG

FABRÍCIA BARBOSA LIMA - MS

FERNANDA ABREU OTTONI DO AMARAL - RJ

FERNANDA NAGL GARCEZ - PR

FLÁVIA DA SILVA MARCONDES - RJ

FLÁVIA DE ARAÚJO FERRER - RJ

FLAVIA PATRICIA CUPERTINO ALCANTARA - MG

FLÁVIO OKAMOTO - SP

FRANCISCA SILVIA DA SILVA REIS - PI

HELGA BARRETO TAVARES - CE

IRANILSON DE ARAUJO RIBEIRO - AM

ISABELITA GARCIA GOMES NETO ROSAS - RN

JESSIKA LIMA DA LUZ - ES

JOÃO LUIZ DE CARVALHO BOTEGA - SC

JOSELISSE NUNES DE CARVALHO COSTA - PI

JULIANA COUTO RAMOS SARDA - PB

KARINA SEIKO HASHIZUME - MG

KARINA VALESCA FLEURY - RJ

KONRAD CESAR RESENDE WIMMER - TO

LIA MAACA LEAL VASCONCELOS PALÁCIO - CE

LILIAN NARA PINHEIRO DE ALMEIDA - AM

LUCIANA CAIADO FERREIRA - RJ

LUCIANA LINERO - PR

LUCIANA PEREIRA GRUMBACH CARVALHO - RJ

LUCIANA ROCHA DE ARAUJO BENISTI - RJ

LUCIANO MACHADO DE SOUZA - PR

LUIZ GONZAGA REBELO FILHO - PI

LUIZA GOMES AMOEDO - BA

MANOEL ONOFRE DE SOUZA NETO - RN

MÁRCIA DENISE KANDLER BITTENCOURT MASSARO - SC

MÁRCIO FLORESTAN BERESTINAS - MT

MÁRCIO THADEU SILVA MARQUES - MA

MARCOS ALMEIDA COELHO - BA

MARCOS MORAES FAGUNDES - RJ

MARCUS AURÉLIO DE FREITAS BARROS - RN

MARIANA BAZZO - PR

MARIANA REBELLO CUNHA MELO DE SÁ - RN

MAURICIA MARCELA CAVALCANTE MAMEDE FURLANI - CE

MICHELE ROCIO MAIA ZARDO - PR

MILLEN CASTRO MEDEIROS DE MOURA - BA

MIRELLA DE CARVALHO BAUZYS MONTEIRO - SP

MOACIR SILVA DO NASCIMENTO JÚNIOR - BA

MÔNICA LOUISE DE AZEVEDO - PR

NATALIE RISKALLA ANCHITE - SP

NICOLAU BACARJI JUNIOR - MS

OLEGÁRIO GURGEL FERREIRA GOMES - RN

PEDRO DE MELLO FLORENTINO - GO

REGIANE BRITO COELHO OZANAN - PA

RENATA LORDELLO COLNAGO - ES

RENATA LUCIA MOTA LIMA DE OLIVEIRA RIVITTI - SP

RENATO LISBOA TEIXEIRA PINTO - RJ

RODRIGO CEZAR MEDINA DA CUNHA - RJ

RODRIGO MIRANDA LEÃO JÚNIOR - AM

ROMINA CARMEN BRITO CARVALHO - AM

RÔMULO LINS ALVES - SE

ROSANA BARBOSA CIPRIANO DE SOUZA - RJ

SANDRA ANGÉLICA PEREIRA SANTIAGO - RN

SANDRA DA HORA MACEDO - RJ

SANDRO CARVALHO LOBATO DE CARVALHO - MA

SARAH CLARISSA CRUZ LEÃO - AM

SIDNEY FIORI JUNIOR - TO

SORAYA SOARES DA NÓBREGA ESCOREL - PB

TATIANA ALSTER - RS

ULIANA LEMOS DE PAIVA - RN

VALÉRIA BARROS DUARTE DE MORAIS - ES

VALMOR JÚNIOR CELLA PIAZZA - RS

VANIA MARIA DO P S MARQUES MARINHO - AM

VIVIANE VERAS DE PAULA COUTO – PA

YNNA BREVES MAIA - AM

Atualizada em 5.12.2019.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Fórum Proinfância realiza reunião em Goiânia


Na tarde de hoje (5), durante o Congresso Nacional do Ministério Público, foi realizada reunião do Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Os coordenadores Alexandra Beurlen (MPAL), Karel Ozon Monfort Couri Raad (MPDFT) e Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro (MPSP) presidiram os trabalhos e participaram dezenas de membros do Ministério Público de diversos estados e do Distrito Federal.

O evento discutiu os trabalhos das comissões que compõem o fórum, divulgou as ferramentas de interação entre os associados e contou com exposição da Promotora de Justiça Andrea Teixeira de Souza (MPES) sobre os trabalhos desenvolvidos pela Comissão da Infância e Juventude (CIJ) do CNMP e pela Comissão Permanente da Infância e Juventude (COPEIJ).

Na oportunidade, também foi divulgada a programação provisória do Seminário Financiamento de Políticas Públicas para Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, que ocorrerá nos dias 7 e 8 de novembro de 2019, na Sede do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.